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Foto do escritorDr. Alessandro Alcino

A Saga: Um conto forense

Atualizado: 13 de jul. de 2022

Austregésilo Cançado é advogado. Formou-se com honras acadêmicas, nos idos de 1970. Mestrado na USP. Doutorado em França. Professor. Respeitado advogado militante na área cível. Decidiu-se por Foz do Iguaçu. Fez fama, mereceu riqueza. Guardou patrimônio.

É homem elegante. Silhueta esguia e formas retilíneas. Usa ternos e chapéus. Sapatos sempre bem escovados. Cabelos e andar alinhados. Falar suave, voz de barítono. Homem de boa estatura.

Dr. Cançado é cidadão do mundo, contemporâneo. Interessado pelos avanços tecnológicos do século XXI. Domina completamente as novas tecnologias. Trafega com desenvoltura por PDF, Ipad, .doc, Word, linux, Iphone, JPG, TIF.

Desde há muito predizia os avanços da tecnologia da informação. Costumava afirmar que tais ferramentas impactariam definitivamente na efetivação dos direitos, na forma de se realizar, na velocidade e na burocracia dos atos processuais. A redução dos custos seria benéfica para os profissionais e facilitaria o acesso à Justiça.

Dr. Cançado recordou-se que recebera em seu correio eletrônico a publicação oficial sobre certa decisão interlocutória. Em desacordo com o entendimento o ilustre magistrado da Vara Cível, decidiu-se pelo recurso de agravo de instrumento.

Processo físico.

Dr. Cançado montou escritório a poucos passos do Fórum Estadual. Embora fosse verão na cidade das cataratas, decidiu-se por caminhar. Calor. Ofegante. Enfim, chegou. Seu rosto molhado. Sua postura desfeita. O sapato? Digno de um representante pé vermelho.

Subiu as escadarias de acesso ao edifício. No saguão de entrada, o desespero. Em um lampejo involuntário de memória lembrou-se da obra “o grito” do norueguês Edvard Munch. O calor era exasperador. Por ali um segurança.

- Senhor! Bom dia. Por que tanto padecimento aqui dentro? A mim me parece que o sol desceu a participar de alguma audiência! Ou se trata de um dos Nove Círculos, descritos por Dante Alighieri?

- Bom dia, dr. Cançado! O aparelho de refrigeração central do prédio está com defeito. Não se sabe quando será corrigido o problema. Respondeu o sempre simpático funcionário público, a se abanar com um jornal de notícias irrelevantes.

O causídico caminhou até a porta giratória. Travou-a. Desconcertou-se com os disparos sonoros do mecanismo.

- Por favor, retire seus pertences dos bolsos e os coloque aqui. Apontou o outro segurança para um pequeno e coletivo local para objetos.

Estava com seu tablet recentíssimo. Tecnologia de ponta. Acesso móvel à internet, wii fi, recursos para vídeo conferência e acesso remoto aos documentos eletrônicos em seu escritório.

- Não cabe, disse dr. Cançado.

- Dê-me aqui. Ordenou o segurança.

Transpôs o primeiro hercúleo obstáculo. Na Vara Cível só se notava o congestionamento de pessoas. Esperou durante 30 minutos a vez.

- Próximo! Vociferou a atendente.

- Por favor, traga-me estes autos. Delicadamente requereu dr. Cançado.

Após inúmeras incursões aos gigantescos amontoados de papeis, em estantes por todos os cantos, do já abarrotado ofício cível. A atendente retornou.

- Senhor, não acho os autos. Pode voltar amanhã?

- Infelizmente não poderei. Existem outros afazeres e o prazo é curto.

Retornou ao complexo labirinto de pastas. Retirou algumas. Conversou com outros também desnorteados colegas. Após outros 20 minutos achou.

Dr. Cançado folheou os autos e decidiu-se inexoravelmente por combater a decisão do digníssimo juízo.

- Faça carga para mim?

- Senhor! Não posso fazer carga. É prazo comum.

- Senhora! A outra parte é vitoriosa na decisão. Não há interesse processual. O recurso sequer conhecido será pelo Tribunal.

- Infelizmente, senhor, não posso fazer nada. Algo mais? Atravessou, já deselegante.

- Isso não pode acontecer. Quero falar com o responsável.

Fora encaminhado até a sala do escrivão. Novamente seu pedido negado. Requereu uma parte com o juiz. Aguardou por outros 40 minutos até o fim da audiência de instrução. Contou-lhe o ocorrido.

- Dr. Cançado, infelizmente foi publicada uma resolução interna que impede a carga de processos com prazos abertos para ambos os litigantes. Faça carga rápida e tire as fotocópias necessárias.

Batalha perdida. Conformou-se. Pensou consigo mesmo que ao fazer carga normal dos autos, digitalizaria todas as páginas, haveria redução de custos. Nova espera.

- Senhora! Faça carga rápida para mim daqueles autos. Vou até ao posto da OAB tirar fotocópias.

- Senhor! Preciso ficar com sua carteira de advogado aqui.

- Como assim? Não lhe vou entregar meu documento. Basta minha assinatura aposta.

Ríspida, respondeu-lhe a atendente:

- Então não posso lhe fazer carga rápida!! Tem uma resolução interna publicada recentemente que impede a carga rápida, em caso de recusa do advogado em deixar seu registro como garantia.

Questionou-se internamente sobre mandado de segurança, OAB, corregedoria, CNJ. Todavia, lembrou-se das aulas de economia: Os honorários são medidos pelo tempo gasto na lide. O tempo é o custo do trabalho. A receita marginal é resultado do aumento da produtividade na gestão do tempo e os custos marginais, dos recursos despendidos na lide. A diferença entre a receita e os custos resulta em renda.

Lírico e nostálgico recordou-se que se encantara pela profissão quando conheceu os mandamentos do advogado de Eduardo Couture. Ao lera chorou. Seu coração enchera-se de paz. Afirmou que não haveria no mundo profissão mais bela! Lembrou-se: “o tempo se vinga das coisas que se fazem sem sua colaboração”. Paciência!

- Tudo bem. Está aqui meu registro. Guarde-o bem.

Outros advogados aguardavam sua vez para as necessárias e irremediáveis fotocópias no posto da OAB. Nova espera. Fotocópias em mãos.

Dirigiu-se até o balcão da Vara Cível. Entregou os autos. A esta hora, já exausto, ainda notou a beleza do dia.

- O entardecer em Foz do Iguaçu é lindo, balbuciou.

Ao se dirigir para seu escritório, esperançoso, pensou consigo mesmo: Bendito seja o PROJUDI!

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