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Foto do escritorDr. Alessandro Alcino

A pensão

Peço ao leitor reserva, o fato ocorrera, talvez... ninguém o sabe! Ao pé da letra nem a gélida e inexorável lei! Afinal, todo conto é a visão de um ponto.

Naquele dia de inverno, sol e tempo aberto, céu de brigadeiro, seguiu o causídico para audiência. No interior do Paraná, na vara de família de sucessões, ambiente de fórum, luz branca, impassível frieza, mesa de escritório mesmo, praticidade, ares modernistas. Nesse local três pessoas se unem em audiência conciliatória.

Mal sabia a conciliadora a sina humana que se desenvolveria ali, bem em sua frente.

Sozinho, o rapaz novo, barba à moda, olhos mansos e negros, meia estatura, quase vinte e três anos e roupas a espelhar a própria situação econômica. Não obstante, é pai de três filhos, cujas idades ao serem somadas não chegam a dar o mínimo para a puberdade de um.

Ela, a mãe, desempregada, mais jovem do que ele, mais sofrida do que ele, com roupas mais carcomidas do que as dele. Apenas um filho. Vivem, ambos, com a avó, duplamente mãe, a tudo suporta com seu aposento público, aquele dado aos que comprovam a desolada condição de brasileiro médio.

Há cinco anos foram namorados de uma única primavera. O suficiente para trazerem a este mundo de dementes a novel alma, cujo amparo financeiro e emocional é a lide. Ela quer e precisa desesperadamente das finanças. Ele quer e suplica contato. Cada qual ama o filho profunda e infinitamente.

Ambos concordam que o impúbere sofre de transtorno de atenção e de intolerância alimentar. Custos, dificuldades, dores, médicos, farmácias, problemas... De apenas dez por cento é o acréscimo pretendido nos alimentos. Insuficiente para ela, exagerado para ele, miserável para todos.

Entretanto, o menor padece a ano e meio sem amparo financeiro do pai.

Motivo: havia ele, o pai, doado um órgão para salvar a vida de outra filha menor. Ele ficou sem poder buscar o pão, na labuta do dia, até o final da convalescença. Mingou o viu metal.

Ela diz:

- Não quero ser lembrada por mandar o pai de meu filho à prisão.

Ele pensou, suspirou profundamente, e aceitou.

Ele chora,

Ela chora,

Todos se emocionam.

Tudo terminado, cada qual segue sua estrada.

O causídico reflete: Percebo a intricada condição humana e a severidade das escolhas que nos é imposta no imenso e confuso emaranhado da existência. Certamente e apesar de tudo, em meio a conflitos e agruras, o amor pelos filhos e o desejo de agir corretamente podem prevalecer. E, lá no fim da existência, veremos que carregamos e construímos uma história e uma perspectiva a ser partilhada, e cada uma dessas histórias e perspectivas é válida e significativa.



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